Aquela Mudança
Por volta de 1974, de tardinha... Eu me arrumava para ir à escola, mas sabia que não iria nunca mais voltar pra lá... Afinal mudaríamos para cidade, onde haveria luzes, carros e esmaltes. Ao chegar no quintal, vi que o caminhão de mudanças estava descendo a ladeira. Pronto!
Começou a correria, o stress, cada um pega uma trouxa, pega um pedaço de móvel... "Ei menino, vai devagar com essa caixa, porque é coisa de cozinha e minhas santas estão aí!". O entra e sai continua e persiste, até que percebo que eu não seria notada, com certeza me esqueceriam ali no meio do nada, e não receberia esmaltes e nem veria mais meus irmãos. Não! Isso não aconteceria... Sabendo que a mãe iria brigar se soubesse que estaria faltando à aula, corri até o córrego, com bornal e meia, entrei assim mesmo e me enfiei por baixo do moinho; havia mato e a água molhava o meu bumbum, além do mais estava bem escuro, mas o medo de me esquecerem era ainda maior; então... bem, obviamente fiquei vigiando o caminhão...
Quando penso que não, me vem a mãe com uma baita vara na mão, "meu Deus, ela me encontrou, e agora?" Agora? Bem, fiquei esperando, pois sabia que iria apanhar mesmo, sai debaixo do moinho, andei até a margem do córrego e quando a mãe se aproximou, nem senti mais... Anestesiei meu corpo e comecei a chorar. Afinal ela não iria entender que fiquei com medo de me deixarem pra trás. Da beirada do córrego até dentro de casa eu fui apanhando, mas com tanto gosto que chegava a doer na alma, se é que criança de quase 7 anos, tinha alma. Bem... foi aí, que o meu pai me viu, não consegui mais correr e eu já sabia que ele viria me carregar.
Quando ele me carregou, me colocou dentro do tanque e com a serenidade de Papai do Céu, preparou um banho de água e sal, e começou a jogar nas minhas pernas e conversar que jamais esqueceria da sua caçulinha, que era pra entender que a mãe estava nervosa, que na cidade haveria muito esmalte e que ele compraria um bonecão pra mim...
A verdade é que hoje, eu tenho 46 anos e jamais esqueço das dores e felicidades de ter tido uma infância diferente e privilegiada por ter tido um pai tão presente na minha vida e uma mãe (que da sua maneira) transformou-me na mulher que hoje eu sou.
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